I
O Porto é alto, mas habitou-se a viver da baixa. Do centro, da praça, da avenida, do evento. Este local mais propício, era até à pouco tempo a única forma que o Porto tinha de se ver a si. Quase se pode pensar que não havia mais nada em redor, que a cidade era aquele local obrigatório, para onde se apontava quando se queria “… ir ao Porto“.
Quem lá estava, sabia que não era assim: sabia que haviam bairros e locais, zonas e outros sítios que tais, meandros e uma cidade inteira em redor mas talvez, a passar uma fase atípica – para cidade está claro. Entretanto, tudo isso mudou, tudo, exceto a visão das gentes de sempre, essa ficou. A que mais interessava passar, e passar para as gentes de fora, sim, avançou. Foi decidido e o Porto deserto do pico dos 90 deu lugar a uma cidade conhecida, rejuvenescida, oportunista e mais aberta à que se sabia até, de si mesma.
O Porto cresceu para fora da baixa mas ainda não se assumiu totalmente assim. Começou por abrir o milénio a apostar numa reformulação do seu desenho de rua, da sua praça e até a abusar do seu próprio material fundacional. Caiu no tema do ícone, e foi atrás da estrela que trazia muita dívida. Deste Porto 2001 só sobra a Casa da Música para muita gente, mas é preciso reconhecer que o ímpeto de mudança e a vontade portuense foi orgulhosamente posta a nu. Na década de 10, com todas as políticas e contas que se seguiram ( e quase até aos dias de hoje ), os verbos planear, investir e comunicar foram os escolhidos para ser mais fácil outro verbo, reabilitar. Foi assim que eixos programáticos como as indústrias criativas e o turismo, como a fixação de empresas ligadas aos serviços e dedicadas a estabilizar a ponte com o sector produtivo da região norte, foram o motor desta nova máquina de mostrar a cidade. A cultura, na forma particular de aceitar uma visão global, integradora e potencial, foi a lubrificação necessária e assim prevaleceu.
O que vemos por agora já não é evolução, é um ponto de grande mudança. Para mim é visível quase ao ponto de uma revolução, ( bem necessária digo eu ), e da qual podemos realmente aproveitar o ímpeto. Nem todos gostam do termo, eu percebo a nostalgia, mas a ontologia que proponho é sempre a da noção pacifista da definição e perfeitamente ao alcance de todos. Revolução é o que falta, e foi o que faltou fazer até aqui, mas o tempo é agora.
Então como posso aludir ao que foi feito e achar que foi por bem e agora querer revolucionar tudo isso de novo? Por contradição, oposição, escárnio? Nada disso, tudo tem o seu contexto e o meu respeito pelo que foi bem feito e devidamente implementado, mantém-se. O resto, repudio pelos canais oficiais, os institucionais e devidamente intitulados. No Porto, desde que estejam sempre bem feitas as contas o assunto tem gente. O resto é perder tempo. Comigo também é assim. Zás.
Pontos certos, avanço para este tempo revigorado da “revolução”. Revolucionar e evoluir são termos semelhantes, não são idênticos mas ambos demostram movimento. Isso por si só interessa-me, em como evoluir de novo a visão que temos desta cidade, agora com a intensidade de uma revolução. Muito se fala em mudar mas isso não chega, precisamos certamente de um placebo mais forte, quem sabe, até de um simples ato de coragem que nos dê a certeza e nos dê massa crítica coesa na progressão.
II
O Porto alto é o porto das torres, das encostas, dos miradouros e das pontes. Esta, é a cota do Porto que vemos de cima ao aterrar, que vemos rasante quando entramos por uma qualquer ponte. É uma visão que ainda não tem baixa e que muitos procuram alcançar, e é fácil perceber porque tantos a querem ter. É assim que se vê a majestosa elegância de um rio, que em tanto tempo ousou desenhar as margens perfeitas, só para o homem se deter a ver como ele encontra o mar. Este Porto ainda está por mostrar e só precisa de ajuda para se permitir descobrir mas, é bom pensar em como é que a cidade inteira se pode abrir. A cidade não precisa de mais limites, condições ou barreiras, mas de um nova linha, fluída, que dança com a fenda cravada pela água, que ora divide o pessimismo ou une os otimistas.
Sortudos os pássaros, que chegam do mar com o sol por trás. Trazem consigo a maresia e a vista da ponte. Com a Afurada numa asa entram pela Arrábida de rompante. Seguem Massarelos até onde a Alfândega se postra calma e dominante, e atracam em Miragaia já com a vista nos rabelos parados no cais de lá. Afinal, há mais uma, enquadrada com outra ainda mais, e há mais! Dom Luís e Infante são o panorama interior desta entrada no Douro, onde (ainda) a pacata Dona Maria se mostra aos poucos, alta, no pilar. Há planos para mais uma baixa, antes de encontrarmos a última, mas esta história ainda está por contar. Por agora do Areinho olhamos para o Freixo, e sentimos o peso a flectir sobre a maior, a de São João, onde o voo de quem chega é alto e ritmado a ferro pelo caminho a ganhar.
Esta alusão a rotas e percursos, guias e outros enfeites turísticos à parte, é pobre, mas é de onde partimos para podermos falar sobre cotas e circuitos possíveis de criar. Há diversas oportunidades por aproveitar, por explorar e que o raciocínio urbanístico e paisagístico tem que saber criar. A mobilidade é uma realidade em franca definição no território da cidade e merece o seu devido valor reconhecido na imagem da cidade e no conforto dos seus habitantes.
Território paisagem, sim mas património também é vista, percurso e deambulação. São por consequência história que se percorre, exaltando ponto a ponto os diferentes tempos, os diferentes símbolos do orgulho, da cidade e da região, e aqui, podemos afirmar a tal sustentabilidade do amanhã : o turismo dos bares e dos hotéis pode ser copiado em qualquer ponto do mundo mas o genius loci permanece intocável, sem hipótese de replicação.
III
Duas novas pontes, uma alta e uma baixa. Vão ajudar na circulação entre cotas do rio e das encostas, mas não são por si a solução definitiva para a ligação entre dois territórios que mais do que se completam, estão em constante competição.
A ponte automóvel ( baixa, junto ao Areinho ) pode equilibrar a ligação da cota peão ao território a sul e assim fazer tanto pelo trânsito como pela transição para uma cidade sem carros. Os pontos de deambulação, vista e interesse patrimonial são suficientes para que ( até pela enquadramento solar favorável ) se possa olhar para as encostas norte e para toda a sua história marcada na pedra. Surge assim a oportunidade da recuperação das encostas das Fontaínhas, da ponte D. Maria, do corredor ciclavel da linha da Alfândega, e outras hipóteses de derivas menos conhecidas mas facilmente sinalizáveis. Este percurso, até agora sem possibilidade de loop, vai criar o primeiro anel de vistas patrimonial do Porto e Gaia e devia ser sinalizado imediatamente. A possibilidade de ligar o território entre cotas, com suavidade e mobilidade pedonal é um exercício de futuro para a deambulação segura, saudável e sustentável da(s) cidade(s).
A ponte do metro ( alta, junto a Massarelos ) é isso mesmo, uma ponte dedicada ao metro. Espero que tenha perfil misto, com aproveitamento pedonal e ciclovia, por forma a fechar o loop suave acima descrito. No entanto, é importante perceber que o mais importante nesta ponte é a possibilidade de assumir a cota alta do Porto, como uma continuidade da cidade da Baixa. É a cota que falta desenvolver apesar dos esforços de dispersão de interesses ( principalmente culturais ) pelos territórios próximos do centro.
Símbolos como os de 90, tentam impingir a sua validade atrativa além da sua relevância cultural e a proposta para o Matadouro desenvolve a mesma simbologia. Imaginem que em vez de o mui discutível investimento num novo equipamento(?), passamos a ter o mesmo valor investido num sistema patrimonial alavancado pelo território paisagem? Este sistema já existe informalmente. E em parte reconhecido pela UNESCO. Imaginem que em vez de um sítio novo e artificial avançamos com uma ideia, política de deambulação, deriva e fruição de uma cidade andante, como são o Porto e Gaia. Imaginem só que imagem passamos para o interior e para o exterior; os carros que evitamos com corredores, alamedas e vias assentes na mobilidade, seja ela mais ou menos suave; as pessoas! sim as pessoas que vamos captar para esta forma simples de andar, deslocar e apreciar; a vida nova.
IV
Este é o tempo de sobrevoar o rio entre pontes imaginadas. As ligações etno biográficas dos territórios num antropologia sistémica de cariz cultural. É fácil usar esta marca da paisagem na paisagem e a favor da paisagem. É incontestável a sustentabilidade de uma solução plausível a partir do património erigido e como tal adquirido pela população. As pontes são oportunidades claras de ligação entre a fisicalidade geo política da cidade mas acima de tudo entre a arte e o engenho em gerar uma forma de estar com o futuro.
Na prática bastam umas rotas, numeradas, classificadas e impecavelmente mantidas. Circulares, sobrepostas e integradas num sistema de mobilidade, intermodalidade e fluxos orgânicos entre residentes e visitantes.
IV
E que tal PDM?