É possível mostrar a paz, a ordem e a participação pela beleza, pela contemplação e pela simples presença do indivíduo.

Na posição mais simples de um indivíduo perante todos os outros, podemos encontrar, o que podemos idealizar, ser a escala de um suprimento. A vontade individual é sempre o fator de posição individual e nunca deveria ser questionada a liberdade de escolha das coordenadas de cada um de nós. No entanto, consecutivamente, prevalece uma vontade coletiva universal em achar que falta algo aos outros para estarem naquilo que consideramos o nosso “bem”. O problema começa exatamente aqui : em porque devemos presumir que a vontade individual, na posição individual, é a falta de algo?

Se continuamos a achar que o standard é o nosso, o melhor, ou até o universal, vamos com certeza impor a esse mesmo indivíduo algo que o pode radicalizar a si próprio!

Imagine-se alguém que não concorda com algo. Pois bem, respeite-se a sua opinião, quer se aceite ou não a sua posição. O problema em relativizar as escolhas dos outros está novamente na forma como as sociedades se organizaram desde sempre, propondo identificadores comuns que se transformaram em rituais de pertença, o que levou a aceitação de standards como fatores de classificação e avaliação do indivíduo. Se não há um reconhecimento do indivíduo no coletivo este não nos pertence. Se o indivíduo quer pertencer há exigências de base para a sua avaliação.

Podemos discutir a segurança ( a desse indivíduo e a de todos os outros caso a sua posição seja agressiva ) mas mesmo assim a força da autoridade e do poder judicial ao punir, vai com fracas chances de reabilitar, e o problema de base mantém-se : é imposta uma posição que não a individual.

Outro exemplo, pode ser o de ensinar uma criança a usar uma bicicleta, o que implica um humano capaz de informar a função correta e não a forma da competência mecânica motriz. A técnica é uma competência adquirida pela destreza e como tal independente de um racional individual, onde a “prática” da atividade exige uma posição do indivíduo perante os outros. Posso até ir mais longe e afirmar que de nada servem as regras de trânsito implícitas na competência da atividade, se a criança não se sabe contextualizar perante o seu cumprimento e em alguns casos a sua correta manipulação. Pernicioso, eu sei, mas a diferença entre um humano passivo e cumpridor e um ser ativo e possivelmente manipulador.

Os valores mais elementares da nossa existência foram evoluindo de algo orgânico, procedural e estranhamente universal ( mesmo em extremos do planeta há paralelismos nas civilizações mais relatadas ) para algoritmos antropológicos rígidos e extremamente condicionantes. O uso do telemóvel é o exemplo mais recente desta forma de estabilização na sociedade pelos valores mais interessantes a promover por entidades a quem não interessa a posição individual mas a massa coletiva social, dócil e conformada. O telemóvel é o veículo, a ferramenta e a manifestação da dependência clara de entidades normalizadoras que suprem a necessidade da posição individual com propostas de posição coletiva.

A maioria prevalece neste estado débil, atrofiante e decadente. Vivem na pútrida conquista dos outros e chafurdam felizes com isso nas suas vidas ausentes.

A apatia dos resignados é pois consternante. As oportunidades perdidas seguem-se imediatamente a qualquer tentativa de manter o estado das coisas no conforto do passado. O futuro fica condicionado ao acaso, ou à força da imposição de algo novo, nem sempre melhor.

Capitalismo, socialismo, e outros ismos que tais, trouxeram a obrigação coletiva para o dia a dia da mediocridade, sem que com isso, aproveitassem a posição individual como a alavanca para o progresso, a prosperidade e a evolução da cultura humana. Duvido até que se mantenha equilibrada a relação das pessoas com os seus objetos, implicando desta forma uma subserviência do ser à tecnologia inimaginável até há bem poucos anos atrás. Mesmo no início da industrialização, o bucólico, a nostalgia e a própria interpretação da vida podiam ser relacionadas com a forma como o indivíduo queria participar do prosperidade económica comum ( apesar de rapidamente convencidos do contrário pelos valores económicos das sociedades ocidentais ). Era interessante ver a deslocação individual para o local coletivo na tentativa de participar na construção de uma vida melhor, e nós como oportunistas que somos, perdemos todas as possíveis em melhorar efetivamente a linha da história.

Será mesmo que sim? Será que a minha expetativa do melhor é de tal ordem contaminada com uma visão fantasiada do bem, que me esqueço que há perda, fracasso e sofrimento em tudo que nos rodeia? Será que estou mais uma vez a contemplar o universo perfeito e erro como todos antes de mim? É fácil justificar o estado das coisas com analogias naturais, com utopias e fantasias literárias, dramáticas e até litúrgicas, mas relativizar e aceitar tudo? Nem pensar!

Consigo, tal como vem sendo provado pelos eruditos clássicos, extrapolar desde a minha excentricidade um conjunto de argumentos e coordenadas que serão considerados basilares, muito antes de uma carta universal dos direitos humanos. É possível encontrar este código em cada um de nós, só temos que melhorar o acesso e praticar a norma.

Praticar a “norma”, e voltamos à estaca zero…! Ao zero não, mas a hipótese de reset, de reposicionamento, de repensar caso a caso, é algo que nos foge sempre que é preciso que alguém escreva sobre a mais elementar premissa da nossa existência: o indivíduo.