Afinal, eu
Descrever o aspecto de dentro de mim é uma questão de observação, também da normalização da luz ambiente, e do quase perfeito reconhecimento da minha forma, do volume, da eterna textura e da cor invisível. Já reparei mesmo assim que isso não é uma verdade generalizada, pois mesmo por forma, a percepção partilhada desenha-se diferente de humano para humano. O que eu vejo, pode ser compatível com o que tu vês, mas sem uma relação entre o entendimento comum e o contexto dessa leitura esse relatório não passa de uma fantasia perceptível. Por vezes partilhado, o denominador é meramente comum e não contraria a necessidade de opinião individual, indivisível.
Desde a visão exterior, externa, de fora, desde fora, formal, rotineira e repetida, vejo um homem excêntrico e raro. Um ser, por vezes humano e sempre relacional, pronto a dar sem esperar menos do que receber numa medida exponencial, dono de um ciclo (esse sim) inumano, de livre vontade onde exijo sempre mais do que ilusão. Um exercício constante de teste, erro, sucesso, hipótese e abrangência, assentes somente na eterna curiosidade da espécie. Um homem, presencial, dominante, vertical, vociferal, visceral, intenso, cada vez mais perto da pedra líquida, do som gutural da calma e da epítome do azul negro.
Por dentro habita uma massa cada vez mais tensa, menos densa e clarividente. Uma experiência onde as partículas que flutuaram nesse meio estão assentes na polímase mitocondrial do intelecto, do consciente e da transição da dúvida para o comum. Fica assim só a certeza humilde desse arrogante conhecimento consciente da matéria e do material político nessa ética de viver acordado. “Vivo em mim como de mim se tratasse”, não outro qualquer pois não seria possível tanta dedicação nem empenho, sobretudo integridade e cuidado a um ser estranho e externo. Essa galopante forma de estar desde a minha honestidade, vence sem qualquer remissão esta abstração deste estranho ser que habito. Por isso cuido de mim como se estivesse realmente a precisar, até porque os outros também me fazem assim e faz-lhes bem a eles, porque não…
Eu, afinal, também sei do exercício de olhar um pouco mais como me pedes, só não o faço em primeiro lugar. Tenho que o fazer mais vezes até porque assim vou ser um pouco melhor só por saber estar.