Como um dependente, hoje purguei-me, deixei para trás a privação, e foi como num bom sono que me criei num novo ser.
Foi num descanso, num momento meu, de, e para mim, que ousei ver mais do que estava perto. Sinto que, como que, essa meditação de estado, pôde ser uma forma pessoal de ver mais do que o meu mundo. Pode até ser estranho dizê-lo, mas dá-me vislumbres do teu, e dos outros. Não é transe, nem transcendência, é só essa presença de alguém dentro de nós pela ausência de ser, dentro do nosso próprio corpo.
É claro uma questão de imaginar. Por vezes fantasias, por outras (vezes) lugares. Cenas completas com espectros e volumes não exatos de formas de algo, ou de alguém; as que soam como um algodão mais leve, mais solto, mas sem o sabor doce da realidade. Mas também não é essa a expectativa.
É um desígnio de cada um, incapaz de ser reproduzido, ou de ser representado de outra forma, que não essa que estás a ver agora. Posta por mim em ti, neste presente, deste momento, no exemplo de ser quem sou, a mostrar o que, e como, sou.
Seja em ti, ou dentro de ti, numa criação de algo, externo e alienígena, mas quase concreto para ti. Discreto é certo, real, tanto como um sonho que fica a meio.
Tanto, quando esse mesmo sonho nos deixa no limbo de querer ficar entre o acordar e o voltar. Uma transição de plano, num estado intermédio, onde a interpolação entre a associação do real com a propagação da vida, não passa de um sonho, esse sonho. Acordado. Confuso. Como estás agora, a forçar o entendimento da minha forma e de como descrevo a minha própria privação. Sim, é esse o tema em que te quero focar. Privar.
Concretamente, a privação de ser. Minha, tua, do real ou sonhado, um imaginado intermédio de tudo, ao nada. Um reflexo de um resíduo passado que ainda vibra por tão recente. Reverente. Presumo que ainda sentes essa parte que não te toca, mas que te deixa pleno do arrepio desta energia que ainda te atravessa a memória. Sentes uma polaridade invertida, uma transmissão elétrica de mim, para ti. Sentes essa presença. Um sentimento em forma de sensação. Agudizas e resvalas a epiglote, embora seguro, engoles a seco. Pausa.
Brotei assim de dentro de outro em mim, fui saindo, e saindo, só para voltar de novo. Eu gosto de voltar. Gosto muito de sair, mas não o faço por ninguém mais que eu. Gosto da forma tentada de ser tanto, que transbordo. Saio por fora de mim. Não fico fora, sem controlo. Extravaso, só. Gosto de voltar. Calmo, seguro e sempre a definhar a dúvida, pois essa, advém a certeza empírica do novo ser, ser quando sou assim, expansivo, e me levo aos melhores lugares que, ou onde, nunca estive. Porque volto.
É assim que me privo. De mim e a ti também. Privo-me de ser, para ser, outro, ou algo. Ver-me mais e só assim construir dentro, tudo o que se passa, fora. É por isso que me privo.
Emano electrões como resíduo, numa sinceridade estaminal, propícia a ser tudo o que a dor evitar. Projeto fotões, de outros, porque não sei ser luz, sou privado. Sou protões, iões, bosões de massa, sou essa partícula que é e dá massa, densidade. Privo com essa realidade, a que valida outros estados de matéria e existências várias.
Sou afinal uma privação. Não porque a exerço, mas porque a sou. Sou uma cortina, um filtro, um portal. Sou o grande protetor dessa passagem, dimensional, entre o homem e a sua visão de vida. A aprendizagem da luz e da sombra, numa noção alargada da ausência de ambos.
Sou dor inflita, aberta, carmim.
Sou uma voz pesada, de arbítrio e sem fim. Sou um azul meu, denso e vibrante.
Sou eu, e nunca serei bastante.